10% desse valor será destinado à Paróquia São Miguel Arcanjo para auxiliar o trabalho com a população de rua realizado pelo Padre Júlio Lancelotti
Fotojornalista com matérias publicadas em veículos como The Intercept Brasil, A Pública, Projeto Colabora, Repórter Brasil, Mongabay, agência de imagens AFP, entre outros, João Paulo Guimarães publica pela Editora Hortelã “O Caçador de Trolls - monstros sociais pelas lentes de um fotojornalista”.
No livro, o autor relata de modo bastante aberto sua rotina e seus dramas: vai em busca de registrar histórias que ninguém quer contar, como a de um quilombola assassinado, ou a rotina dos lixões, ou ainda os milhares abandonados nas ruas de São Paulo, mas sempre dividindo conosco seus medos, suas ansiedades, as horas infinitas de ônibus para chegar a locais isolados, as coxinhas de beira de estrada, a dor de deixar a família para mais uma pauta.
A escolha pelos Trolls do título, aliás, tem relação direta com a família de João, já que ele brinca de caçar trolls com a filha quando está em casa. Desse modo, explica para a criança, ainda pequena, que precisa partir porque há muitos trolls para caçar. Mas no livro caminhamos longe das histórias de fantasia. Os trolls, nesse caso, são bastante reais. E estão em toda parte, mesmo que às vezes um pouco escondidos: o Troll da Fome, do Fogo, da Ignorância, da Violência, da Ganância…
No prefácio, Juliano Ribeiro Salgado, cineasta responsável por obras como “O Sal da Terra", ressalta que “aqui se fala do mundo. Aqui se fala da humanidade, essa que em última instância nos liga uns aos outros e se opõe ao individualismo do ego. Este livro escancara a diferença entre Trolls e Humanos. João Paulo é Humano, ele se emociona, sente empatia, nos transmite o que cada uma das pessoas que fotografa sente. É por isso que o transporte através da sua subjetividade é tão poderoso. O que ele publica é destinado a tocar e informar e a nos fazer sentir como somos próximos uns aos outros. Lendo as histórias de João Paulo, absorvidos por suas fotografias, nos sentimos humanos, esquecemos por um instante nossos egos que podem a qualquer momento nos transformar em Trolls”.
O livro mostra um lado perverso da nossa sociedade, ao trazer relatos e imagens de um Brasil desigual. Mas também nos oferece esperança na história de pessoas que, como João, lutam por um mundo melhor, como Padre Júlio Lancellotti, os bombeiros do Pantanal, os profissionais da linha de frente da saúde ou indígenas e quilombolas.
"O Caçador de Trolls" é um livro sobre fotografia, mas tem sua maior força nos relatos sinceros do autor. É uma viagem fascinante e perturbadora em busca da humanidade que ainda resta em nós.
O lançamento ocorrerá em 14 de dezembro, às 19h, em uma live nos perfis da Editora Hortelã e do autor.
Em fevereiro de 2025, também haverá um evento em São Paulo (mais informações em breve).
Garanta seu exemplar de "O Caçador de Trolls" e ajude o Padre Júlio Lancelotti e a Paróquia São Miguel Arcanjo a cuidar da população de rua de São Paulo.
Saiba mais sobre a Paróquia São Miguel Arcanjo: https://www.oarcanjo.net/site/
Leia um trecho do livro:
(...) Começo a fotografar um caminhão de lixo recém-chegado que levanta sua porta traseira derramando chorume nas pessoas que aguardam o veículo despejar o conteúdo apodrecido para avaliar se existem itens para consumo ou para negociações futuras. O chorume respinga na roupa e no rosto de algumas pessoas, mas ninguém parece se importar com aquilo. O conteúdo mal atinge o solo e as pessoas já se adiantam na busca de comida ou recicláveis. Apenas alguns admitem que a busca ali é por alimento também. As pessoas ainda sentem vergonha. Mas a fome é maior que a vergonha. Adriano encontra um pão no meio da sujeira e come fazendo pose para que eu fotografe. Eu peço pra que ele não coma aquilo, mas as pessoas ao redor dizem que ele nunca ouve e que sempre come mesmo passando mal depois. Ele encontra uma lata de refrigerante quente e com a validade vencida, abre a lata e entorna na garganta. Desisto de pedir para que ele pare de comer aquelas coisas. Não cabe a mim dizer o que é certo naquela pantomima grotesca da fome.
Caminho mais um pouco por entre as pessoas tentando não atrapalhar o trabalho delas com o meu trabalho intrusivo de fotografia. Pela minha cabeça passam pensamentos de culpa e arrependimento. Não queria estar ali se pudesse escolher. Ninguém iria querer estar, mas estar ali no meio do apocalipse humano e do fim de tudo que é bom é uma obrigação moral. Essa resiliência, falsa, que eu acho que tenho em mim, é o bastante para poder fazer aquilo que precisa ser feito, mesmo que ninguém queira ver, mas ainda é possível ajudar com imagens e textos rebuscados sobre a realidade indigesta de um país que seu povo não conhece. Um país cego e alienado aquém das mazelas da vida real.
Gabriel, o menino do pé machucado, passa por mim ainda mancando. Eu pergunto se o pé já está melhor e ele me diz que sim e que já consegue trabalhar. Gabriel continua com seu gancho de metal em busca de recicláveis para ajudar sua mãe, Dona Maria. Eu deixo Gabriel em paz e continuo minha busca, mirando em algo que possa mandar para as agências com um apelo grande o bastante para fazer os outros aderirem à guerra. Sei lá, uma imagem, uma situação. Algo que traga a visão alienada para dentro da briga. Da minha briga.
Lauane é uma menina de seus nove aninhos que passa por mim toda de azul sorrindo. Uma menina linda e inteligente que sonha em ganhar uma bicicleta roxa com flores. Ela me disse isso mais cedo enquanto se arrumava para começar a busca pelos itens recicláveis. Ela anda mais um pouco, fica cansada, senta em meio ao lixo com urubus acima dela observando aquele ouroboros miserável. Quantas crianças estão ali? Não sei. Eu mesmo me chamo atenção para coletar esse número nos dias em que vou estar ali com eles. Olho para meu lado direito e vejo Gabriel há uns oito metros de mim, com uma sacola azul em mãos, olhando para dentro do conteúdo curioso. Ele começa a retirar o objeto de dentro da sacola e eu vejo que ele encontrou uma árvore de Natal. Lembro que é época de Natal e começo a fotografar. Não sei quantas fotos eu fiz. Não sei como me movimentei e nem se o obturador estava de acordo com o contraste da luz de Gabriel. Não sei se o ISO estava de acordo com a necessidade da câmera ou se o diafragma estava acima de 5.6. Não lembro de nada. Só de sentar e chorar depois da foto.
No caminho de volta para o centro de Pinheiro eu pego carona novamente com Zequinha e ele me pergunta como foi e eu digo sem pensar, "Zequinha. Eu acho que eu fiz uma foto que vai correr o mundo." Ele desacelera, para a moto e me pede pra ver as imagens. Acho engraçada a sua curiosidade e senso de urgência em ver a foto. Ligo a câmera para exibir a sequência de imagens de Gabriel com a árvore de Natal. A única coisa que Zequinha consegue dizer é essa frase: "Meu Deus, João!"